Opala

 

Rubem Braga 

 

Vieram alguns amigos. Um trouxe bebida, outros trouxeram a boca. Um trouxe cigarros, outro apenas seu pulmão. Um deitou-se na rede e outro telefonava. E Joaquina de mão no queixo, olhando o céu, era quem mais fazia: fazia olhos azuis. 

Já do observatório haviam-se telefonado: "Vento leste, águas para o sul, atenção, srs. Cronistas distritais, o diretor avisa que Joaquina hoje está fazendo olhos azuis". 

Às 19 horas enviei esta mensagem: "confidencial para o diretor. Neste momento uma pequena nuvem a boreste deste apartamento dá uma tonalidade levemente cinza ao azul dos olhos de Joaquina, que está meditando nessa direção. A bordo todos distraídos, mas este Cronista Distrital mantém sua eterna vigilância. Lábios sem pintura de um rosa muito pálido combinam perfeitamente tonalidade cinza do azul referido". 

A voz roufenha do diretor: "Caso necessário dispomos um canteiro de hortênsias, tipo independência. Petrópolis, igualmente duas ondas de Capri às 5 da tarde de agosto () considerada uma das melhores safras de azul de onda último quarto de século. 

Respondo secamente: "Desnecessário". 

À meia noite sentimos que o apartamento estava mal apoiado no bairro e derivava suavemente na direção da lua. Às 6 da manhã havia uma determinada tepidez no ar quase imóvel e duas cigarras começaram a cantar em estilo vertical. Às sete da manhã seis homens vieram entelhar o edifício vizinho e um deles assobiava uma coisa triste. Então uma terceira cigarra acordou, chororocou e erguei seu canto alto e grave como um pensamento alto e grave como um pensamento. Sobre o mar. 

Joaquina dormia inocente dentro de seus olhos azuis; e o pecado de sua carne era perdoado por uma luminescência mansa que se filtrava nas cortinas antigas. Havia um tom de opala. Adormeci.