Resumo:
A partir de uma pesquisa documental em fontes primárias, o presente artigo discute a famosa receita para matar baratas, presente em textos de Clarice Lispector, publicados em páginas femininas de jornal e no conto “A quinta história”. Nossa pesquisa mostra que, em jornais da década de 1920, essa receita já era publicada em páginas de suplementos agrícolas e em seções de conselhos sobre afazeres domésticos e que, a partir da década de 1940, foi republicada várias vezes em páginas femininas de jornais e revistas. Portanto, em 1952, ano da primeira publicação de um texto da autora com essa receita, Clarice Lispector operava com uma apropriação potencialmente parodística de um texto republicado na imprensa ao longo de anos e que, até então, não apresentava autoria definida. O presente artigo recupera, cronologicamente, a trajetória de publicações dessa receita na imprensa até 1952 e investiga, nas publicações de Lispector que incluem essa receita, os procedimentos literários da autora sob o prisma da teoria da paródia e da teoria do conto. Defendemos a ideia de que a apropriação da receita de matar baratas e o percurso desses textos nas páginas femininas, até a versão final de “A quinta história”, permitem refletir sobre o fazer estético em Clarice Lispector, reforçando traços de seu fazer literário, além de Clarice mimetizar a própria trajetória do conto moderno, marcada pela passagem de uma forma simples para uma forma artística (JOLLES, 1976).