Resumo:
Este trabalho investiga os processos constitutivos, as condições de atuação e o sentido político
do que chama de novo engajamento cultural. Desde os anos 1990 surge na cidade de São
Paulo um novo conjunto de experiências associativas informais, autodenominadas coletivos,
que atualizam as formas de relacionamento entre o fazer cultural e a militância política. Essa
nova configuração político-cultural notabiliza-se por se aliar a temáticas cotidianas que
emanam do meio social dos públicos ou territórios com que estão envolvidos ao mesmo
tempo em que direciona seus esforços para fazer do coletivo um espaço de experimentação de
novas relações produtivas. Do mesmo modo, o fenômeno parece desenvolver-se nos termos
de novas modalidades laborais, já que a formação de coletivos aparece também como via
alternativa de acesso a subvenções públicas propiciadas pelas novas políticas culturais
estruturadas por sistemas de financiamento direto a projetos selecionados através de editais
públicos. A hipótese é de que a emergência do novo engajamento cultural é estreitamente
vinculada com o paradigma antropológico de política cultural que se firmou no país ao longo
dos anos 2000, favorecendo-se das modulações políticas operadas pela era de hegemonia dos
governos progressistas. Para tanto, privilegia como arco histórico de análise os debates,
formulações e impasses enfrentados pelas instâncias organizativas de dois movimentos
culturais que se formaram ao redor de dois programas públicos municipais: o Fomento ao
Teatro para a Cidade de São Paulo, de 2002, e a breve experiência do Fomento à Cultura da
Periferia de São Paulo, de 2016. Isso é feito através de observação direta participante (no
período 2011-2017) em espaços organizativos dos movimentos; análise de dados secundários
compostos por atas, legislações, projetos e outros documentos atinentes à relação entre
coletivos e poder público; e pesquisa bibliográfica que permitiu pensar, por diferentes
perspectivas, o atual papel da cultura frente às transformações mais recentes do sistema
capitalista. Em seus resultados, a pesquisa sugere que a agenda cultural antropológica, forjada
em sintonia com as novas estratégias de gerenciamento político global e com a centralidade
assumida pela cultura na nova etapa de acumulação, degenera o sentido político destas
pequenas experiências ao instrumentalizar a capacidade mobilizadora e auto-organizativa
demonstrada por elas. Intrínsecos ao novo paradigma, os sistemas de financiamento baseado na forma-edital serviram a que a norma competitiva neoliberal se infiltrasse nestes pequenos
ensaios organizativos informais, o que reduziu o potencial emancipador aí presente a uma
forma subordinada de trabalho e transformou os processos interativos por eles produzidos em
novas espécies de mercadoria.