Resumo:
A cultura popular tradicional é entendida no Brasil como um conjunto de práticas culturais
ligadas aos povos tradicionais, afro-brasileiros, indígenas e ao povo de modo geral. Desde os
anos 1990, as práticas performáticas desse universo têm transitado por circuitos ligados à
música e performance, e constituídos por espaços culturais, instituições e, desde os anos 2000,
pelos encontros de culturas populares e tradicionais. Estes são festivais de cultura que reúnem
em si também a dimensão de um fórum de discussões sobre políticas públicas e temáticas que
impactam os povos tradicionais. Propõe-se, assim, refletir sobre as especificidades e
características desse circuito contemporâneo de trânsito da cultura popular focando na
experiência dos encontros. Para tanto, buscou-se investigar o contexto que permitiu a
emergência desses eventos, suas principais características, bem como o diálogo que eles
estabelecem com as políticas públicas culturais. A pesquisa foi realizada através de trabalho de
campo em três edições (nos anos de 2015, 2016 e 2017) do Encontro de Culturas Tradicionais
da Chapada dos Veadeiros, que acontece na Vila de São Jorge (Alto Paraíso-GO); do contato
com edições de 2015 do Encontro dos Povos do Grande Sertão Veredas (Chapada Gaúcha-MG)
e do Encontro de Culturas Populares e Tradicionais (Serra Talhada-PE); através de
levantamento sobre outros eventos semelhantes pelo Brasil, feito por meio de pesquisa em meio
digital; e de entrevistas com organizadores e participantes desses eventos. Constatou-se que os
encontros são produtos de um processo de redescoberta da cultura popular por jovens
universitários, artistas e músicos citadinos na década de 1990 e da eventual articulação desses
sujeitos com o poder público – o que levou à elaboração de políticas culturais para atender a
especificidade desse universo cultural. No contexto das políticas públicas, os encontros são
vistos como espaços de difusão, salvaguarda e valorização da cultura popular por meio da
performance desta em contextos de apresentações. Enquanto local de performance da cultura
popular, os encontros desenvolvem técnicas de produção de som e arquitetura de palco em
diálogo com a indústria fonográfica. Além disso, constatou-se que os mestres e mestras que são
convidados a apresentarem suas práticas nesse contexto negociam e mediam o deslocamento
destas para os encontros enquanto forma de reconhecimento, retorno financeiro e visibilidade
para si e para seus coletivos sociais. A investigação dos encontros demonstrou ainda que eles
são emblemáticos do circuito de trânsito contemporâneo da cultura popular. Esse circuito, por
sua vez, tem similaridades com a experiência do movimento folclórico que se organizou na
década de 1950, uma vez que ambos receberam apoio do poder público. Apesar das
semelhanças com a época do movimento folclórico, os encontros têm suas particularidades,
como um maior diálogo com a indústria fonográfica e a presença de novos discursos e atores
sociais. Assim, pode-se falar de um novo momento de trânsito da cultura popular inaugurado
nas últimas décadas.